28 de julho de 2005

Momento

Chegado o momento
em que tudo é tudo
dos teus pés ao ventre
das ancas à nuca
ouve-se a torrente
de um rio confuso
Levanta-se o vento
Comparece a lua
Entre línguas e dentes
este sol nocturno
Nos teus quatro membros
de curvos arbustos
lavra um só incêndio
que se torna muitos
Cadente silêncio
sob o que murmuras
Por fora por dentro
do bosque do púbis
crepitam-me os dedos
tocando alaúde
nas cordas dos nervos
a que te reduzes
Assim o momento
em que tudo é tudo
Mais concretamente
água fogo música

David Mourão Ferreira

25 de julho de 2005

Umbigo, mamilo,
Estreitas fitas finas de seda,
Cobrem a carne em torpor atómico.
Simbiose desenfreada de corpos que deslizam em suor.
A ânsia do desejo da carnação
A afoiteza da imaginação libidinal,
É tanto surreal como irreal.
Áureas límpidas de amor pelo o sensual.
Venal torna-se o mundo em prol do desejo carnal…
Sobre o crepúsculo da madrugada em chamas,
Espectros dividem-se em quadrantes ofegantes:
O poder do sentir,
A concretização da compreensão,
O saber do olhar.
Reter e analisar,
Sentir energia,
Ser essência,
Mergulhar em paralelos
De sorte em retalhos.
Desejo, excitação, orgasmo
Psicologia, sociologia, biologia
Fantasia, sonho, iniciação
Masturbação, receptividade, sensação
Motivação, aspiração, brancura.
Mil e uma coisas,
Coisa alguma.

16 de julho de 2005


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Bastava-nos amar. E não bastava



Bastava-nos amar. E não bastava

o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?

O vento como um barco: a navegar.

Pelo mar. Por um rio ou uma veia.



Bastava-nos ficar. E não bastava

o mar a querer doer em cada ideia.

Já não bastava olhar. Urgente: amar.

E ficar. E fazermos uma teia.



Respirar. Respirar. Até que o mar

pudesse ser amor em maré cheia.

E bastava. Bastava respirar



a tua pele molhada de sereia.

Bastava, sim, encher o peito de ar.

Fazer amor contigo sobre a areia.

Joaquim Pessoa

12 de julho de 2005

OUR WEDDING

All I am I give to you
You'll honor me I'll honor you
Rich or poor or come what may
We'll forsake all other love
Just we two, one flesh one blood
In the eyes of god
I am yours to love and honor
I'm giving you my love...
Never look at anyone, anyone but me
Never look at anyone, I must be all you see
Listen to those wedding bells
Say goodbye to other girls
I'll never be untrue my love
don't be untrue to me
don't be untrue to me
don't be untrue to me
don't be untrue to me
don't be untrue to me
don't be untrue to me

CRASS - LYRICS

6 de julho de 2005

Noite Vermelha

Duas almas em redenção caiem sobre a cama, os seus corpos estão tingidos de púrpura, compreendem-se letras desbotadas na carne nua. Letras soltas, que foram escritas ao sabor de uma paixão fictícia. A libido deixou-os exaustos. Ele ajuda-a a se deitar suavemente de barriga para baixo, para que a frase que tinha escrita em ambos os seios e barriga ficasse impressa no lençol branco imaculado, ajeita-se sobre ela, beijando-lhe a nuca ao mesmo tempo que comprime o corpo contra o dela fogosamente. Levantam-se, dirigem-se à casa de banho, pelo o caminho tocam-se em tom de brincadeira, apagando a história que tinham tentado relatar. Nos lençóis da cama lê-se:” Omnia vincit amor” (o amor vence tudo). Na casa de banho lavam a alma, ao som do tactear das mãos trémulas de um desejo sagaz, como se fossem cegos, em busca de uma unidade em dois corpos desiguais. A Água que pelo o corpo escorre forma um caldo vermelho que é engolido por um vazio que lhes dá destino, um vazio oculto que a todo o custo tenta eliminar palavras de desassossego das suas mentes imundas de uma perversidade inconsciente. Ela sai da banheira, corre, atira-se para cima da cama desfeita, as gotículas de água que ainda estavam no corpo desbotam a frase que gravaram. Ele sai da casa de banho, nu de corpo e alma, permanece imóvel, olha-a enquanto ela com ambas as mãos esfrega as insignificantes gotas que lhe escorregam pela pele. Sorri e avança, dizendo: és minha. Deixa-me secar-te. Deita-se envolvido por uma libido sonante jamais sentida, com os joelhos abre-lhe as pernas e ajeita-se de modo a preenche-la, quando ela ao seu ouvido diz: não, não podemos. Só o será ao nascer do sol. Olha para a janela, vês a lua? Só sou tua quando o sol rasgar o quarto. Até lá, faz o que a noite costuma, brinca. Assim ele fica, ao sabor do toque, a saborear a pele com as mãos, com a língua, com o corpo, até ambos ficarem anestesiados de um desejo impossível de conter, um desejo que tinha de ser satisfeito. Mal o sol se esgueira pela janela, ele rompe-a iluminando a sua obscuridade, no mesmo instante ambos desfazem-se em espasmos sobre os flancos onde se amordaçaram, transformam-se em tinta rubra que tinge o lençol com a frase: “A monotonia da noite cria semblantes carregados de inocência, crentes que a estética da alma é tão insignificante como o dom da palavra em seres sem sentimento.”