12 de novembro de 2004

"Acto concretizado? Num certo sentido, imbuímos de profundidade, retardamos constantemente esse acto. Entretemo-nos a namorar com o destino, balouçamos (como em berço) antes de adormecer - e, por fim, acabamos por desposar o mito. Morremos nas aflições e pavores das nossas próprias lendas trágicas, tais como aranhas presas na sua própria teia. Se há qualquer coisa que merece o nome de "obsceno" é precisamente esta confrontação oblíqua de voyeur com os mistérios, esta marcha pelas bordas do abismo, com todos os êxtases da vertigem, ao mesmo tempo que nos recusamos a abandonar a atracção-encanto do desconhecido. O obsceno tem todas os requisitos da pausa que nos é subtraída. É tão vasto como o Inconsciente e tão amorfo e fluido quanto a própria matéria desses mesmo Inconsciente. É o que vem à superfície de estranho, de excitante e de proibido - e que a um tempo se deTém e paralisa quando, sob as aparências de Narciso, fazemos pender a nossa imagem sobre o espelho da nossa iniquidade. Reconhecido por todos, ei-lo, no entanto, desprezado e rejeitado - e,dai, o ele sempre emergir constantemente de sob os seus desaires proteicos nos momentos mais inesperados. Quando reconhecido e aceite, como ficção da imaginação ou parte integrante da realidade humana, ele não inspira mais temor ou repulsa do que o lótus em flor que mergulha as raízes na lama do rio que o sustenta."

Obscenidade e reflexão, Henry Miller

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