30 de janeiro de 2005

“ Sinto-me em casa…”

Era domingo, mal acabo de chegar a casa, o céu da tarde cerrara-se repentinamente como se as nuvens tivessem capturado o espírito das vagas ardentes que emergem ao som do vento em dia de tempestade. Ouvia-se o barulho da chuva, que caía vertiginosamente, sobre a laje da varanda. De encontro à janela estava uma mulher: a sua sombra e figura apenas me foram reveladas pelas impertinentes descargas etéreas provindas da natureza. Nuvens colidiam nos céus, umas com as outras a velocidades estonteantes e o horizonte ateava-se como que estivesse a arder em tom de chama electrizante, prateada, clareando o breu da tempestade, que ia ao encontro da madrugada, para não deixar o sol raiar sobre o dia que se adivinhava. Ao aproximar-me, em momentos repentinos as luzes dos relâmpagos iluminavam a obscuridade da visão, e a sombra e figura foram-me anunciadas. Perguntei-lhe o que estava a fazer de encontro à janela? Responde-me que estava a ver o que não consiga apreender e ri.
Ela está do outro lado do cortinado, e eu do outro com o nariz encostado. Os relâmpagos continuam a florear os céus e a clarear a sua imagem, encosto-me cada vez mais ao cortinado, sinto-a, vejo-a, respiro-a! Está encostada de lado meia arqueada com a testa encostada ao vidro meio embaciado. Afasto-me num momento de calmaria e escuridão, mal paro de me mover soa mais um estrondoso corisco, embate no meio da curvatura da serra e inunda a sala pela moldura chamada janela. Ai o perfil da mulher encostada ao vidro projecta-se sobre o cortinado meio transparente, em linhas fortes e delicadas, primeiro é me revelada a face, depois os seios arrebitados do frio, de seguida as ancas e parte da curvatura das nádegas. Ouve-se um doce e rubro murmurar em compasso com a escuridão que diz: E agora, o que fazes?
Dirijo-me à extremidade do cortinado, com a mão direita seguro-o com ímpeto, e deixo o meu corpo escorregar contra o dela que fica de encontro à janela, digo-lhe ao ouvido sorrateiramente: Hum, o que faço?! Agora é o momento em que eu puxo o cortinado viro-te para mim e digo-te ao ouvido, o quanto gosto de ti, beijo-te para não poderes responder, porque quero diluir-me e desvendar-te como se fosses um segredo… deixar-te inebriada de desejo… Que a tempestade dure para eu me enlaçar contigo ao ritmo dos relâmpagos e da chuva torrencial… aleitar o doce prazer do inesperado a cada segundo que passar... Dobro o cotovelo do braço direito e as argolas que sustêm o cortinado deslizam pelo varão, beijo-a no meio das costas, faço os meus lábios deslizar pelo declive até ao pescoço e com as mãos mornas viro-a para mim, continuo a deslizar os tentáculos pela sua pele arrepiada do frio e da fervura da libido que quer ser satisfeita com todo o requinte. Junto ao seu ouvido digo-lhe: "Agora fumava-te, embrulhava-te em papel, e chupava-te até te sumires em mim". Pelo timbre da voz o corpo dela desfalece embebido em entrega contra o meu, beija-me a face e empurra-me para o sofá, no fundo da sala vazia faz-me sentar e de seguida toda nua senta-se por cima, ficamos virados de frente um para o outro quando ela prenuncia ternamente ao meu ouvido: Abraça-me estou com frio. Não me podes fumar, mas podes amar-me, isso sim será a única coisa que me fará sumir em ti. Eu esboço um sorriso, enquanto ela se afasta endireitando-se, olha-me nos olhos compenetrada, parecia que queria desvendar a alma através do olhar. Em tom de brincadeira, movo as minhas ancas para cima, elevo-a comigo, deixando-a contorcer-se, ondula vagarosamente que nem uma serpente encantada, parecia que cada milímetro do corpo dançava obliquamente em torno dos véus de energia da minha Muladhara e essa oscila como que estivesse a acordar lentamente, de seguida as ondas entram despercebidamente para Svadhishthara, impetuosamente entram em fusão com Manipura, gentilmente abraça-me Hanahata, no momento dessa união o terno e exótico gemido compassado faz mais uma ligação com Vishuddha, depressa a acção da nossa diluição transforma-se em visão sobre a Anja. Vejo-a sobre a clareira do amanhecer a rodopiar danças primitivas, só para mim, eu pairo no céu envolvendo-a em toda a sua extensão e num flash de luz volto a mim e luz faz-se sobre Sahasrara, uma luz tão intensa, que me faz acordar e nesse instante memorável voltei a sentir, senti-me entrelaçado, conjugado como o verbo que deixou de estar isolado.


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