19 de outubro de 2004

Noite Vermelha

Duas almas em redenção caiem sobre a cama, os seus corpos estão tingidos de púrpura, compreendem-se letras desbotadas na carne nua. Letras soltas, que foram escritas ao sabor de uma paixão fictícia. A libido deixou-os exaustos. Ele ajuda-a a se deitar suavemente de barriga para baixo, para que a frase que tinha escrita em ambos os seios e barriga ficasse impressa no lençol branco imaculado, ajeita-se sobre ela, beijando-lhe a nuca ao mesmo tempo que comprime o corpo contra o dela fogosamente. Levantam-se, dirigem-se à casa de banho, pelo o caminho tocam-se em tom de brincadeira, apagando a história que tinham tentado relatar. Nos lençóis da cama lê-se:” Omnia vincit amor” (o amor vence tudo). Na casa de banho lavam a alma, ao som do tactear das mãos trémulas de um desejo sagaz, como se fossem cegos, em busca de uma unidade em dois corpos desiguais. A Água que pelo o corpo escorre forma um caldo vermelho que é engolido por um vazio que lhes dá destino, um vazio oculto que a todo o custo tenta eliminar palavras de desassossego das suas mentes imundas de uma perversidade inconsciente. Ela sai da banheira, corre, atira-se para cima da cama desfeita, as gotículas de água que ainda estavam no corpo desbotam a frase que gravaram. Ele sai da casa de banho, nu de corpo e alma, permanece imóvel, olha-a enquanto ela com ambas as mãos esfrega as insignificantes gotas que lhe escorregam pela pele. Sorri e avança, dizendo: és minha. Deixa-me secar-te. Deita-se envolvido por uma libido sonante jamais sentida, com os joelhos abre-lhe as pernas e ajeita-se de modo a preenche-la, quando ela ao seu ouvido diz: não, não podemos. Só o será ao nascer do sol. Olha para a janela, vês a lua? Só sou tua quando o sol rasgar o quarto. Até lá, faz o que a noite costuma, brinca. Assim ele fica, ao sabor do toque, a saborear a pele com as mãos, com a língua, com o corpo, até ambos ficarem anestesiados de um desejo impossível de conter, um desejo que tinha de ser satisfeito. Mal o sol se esgueira pela janela, ele rompe-a iluminando a sua obscuridade, no mesmo instante ambos desfazem-se em espasmos sobre os flancos onde se amordaçaram, transformam-se em tinta rubra que tinge o lençol com a frase: “A monotonia da noite cria semblantes carregados de inocência, crentes que a estética da alma é tão insignificante como o dom da palavra em seres sem sentimento.”

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